sábado, 22 de dezembro de 2012

Da carta aérea

- Ando tão triste, Zéfiro. Meus versos doem, minhas águas estão aqui a marulhar assim, baixinho. Em meu tempo criei uma tempestade de vozes, chovi um mar de silêncios, hoje caminho entre as luzes da cidade. Viajei mais que sete mil léguas nesse mundo, vi rostos e encantos na borda do universo, ouvi os prantos, os cantos da savana a se confundirem em exótica simetria. Estou aqui, não sei bem onde, em que escrevo, em que disserto. Os sorrisos me são incertos. Não visto eles nessa época, não compreendo as pessoas. Meus olhos estão brancos, minhas folhas vermelhas. Ando triste, Zéfiro, triste quase tristinho que minhas palavras já saem assim quietinhas e quase a gente não se escuta. Não sei bem onde foi que ouvi que o tempo muda todas as vozes, que se comprimem aqui no meu peito, que se escondem entre aquelas palavras detrás dos olhos, coisas de sibila ou coisas de Apolo. Minha carta só existe em letras de sol, meu amigo, e por isso a confio a seus dedos suaves. Saravá, e que as nuvens me contem sem pressa de seu destino

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Anjo


Debaixo d'água,
As tuas asas molhadas,
A tua face corada,
O teu coração
Que palpita.

De pés descalços,
Os olhos fechados,
Meus braços abertos...

Tudo sempre tão perto
Entre céu e oceano,
As caravelas, o começo.
Toda jornada um princípio,
Todo sonho um passo,
Um precipício.

As aventuras inesperadas,
A estrada que nos consome,
O fim da linha do horizonte,
O céu que desatina
Tuas idéias aceleradas
No instante da palavra;
As nuvens,
Teu pertencimento.

Eu cresci assim,
Sem dar conta,
Meus muitos livros
Se reescrevendo;
Te achei na altura
De um jardim,
Acompanhei teus passos,
Ouvi teus cânticos
Enquanto as colunas de Babel
Se desfaziam uma a uma.

Falei da tua língua,
Provei dos teus lábios,
Podei tuas queixas e dores
E te deixei esta herança,
Um sonho, uma flor, uma canção:
A um toque do sol.

terça-feira, 13 de novembro de 2012

Um passo, um tropeço, um espaço


O espelho dos espelhos,
O verso, a palavra.
Toda a tua busca
Que se cala na alma,
Todos os teus anseios
Ao despertar dos sentidos.
Os olhos que não se me escapam,
Os gestos devaneios,
Esse riso ao teu lado,
As ruas dos destinos
Que se nos atravessam
Não disfarças,
As vozes do tempo
Que sequer vivemos.
As linhas juntas,
O instante ao contrário.  
Conto as horas
Do avesso,
Conto os dias
De sol das chuvas
Que o verão me trouxe,
Conto as chamas e fagulhas
Que o vento assobia.
Visto as roupagens do silêncio,
Encarno a terra comida pelas beiradas,
O chão seco do que não é sertão e se alumia.
Nefertari se esconde,
As esfinges lhe consomem,
As três luas de Plutão
Estão sem órbita.

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Ao levitar


Eu canto aqui o tempo
Das amarras que a gente solta,
Dos cadarços que se afrouxam,
Desses botões que vira e mexe
Se desprendem da vida da gente.

Eu canto a verdade
Das perspectivas do silêncio,
Das cartas que se embaralham,
Dos lances e dados que se atiram,
Do limiar das escolhas
A que o destino nos leva.

Eu canto o barulho da chuva
Que lava toda as coisas,
Que cai aí pertinho
Dos teus ouvidos,
Que te consome
Todo dia um pouquinho.

Eu canto às vidas
Que tu trazes ao mundo
E enterras antes do sol;
Que sangram no ventre alheio
Da insensatez,
Que se perdem
Antes mesmo
D'um sorriso.

Eu canto
O cântico suave
Da despedida
Dos tornados...

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Eu leitor do instante

Que o tempo escorre
Na paisagem,
Que os encontros
Mais se fazem de silêncios.

Contemplar,
A leitura das leituras
Que não se leem,
Os olhos,
Sempre os olhos,
Que enxergam além.

Horizonte,
O sol que se derrama de ti
Assim poente.

As palavras mudas,
As inquietações,
As partituras.

Nossas mãos que tocam o ar,
O verbo que o teu sorriso escreve
No canto dos lábios
Do que a boca
Não diz...

Fica aqui esse instante,
Sê poesia nos meus dedos,
Nos cabelos, nos meus seios.

Rouba essa minha sensatez
Que nunca existiu,
E veste da minha pele
O contorno da tua.

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Tura mali


Nefelibata,
Tropeço entre nuvens
Nos caminhos do céu.
Faço dos meus sonhos
Desenhos, faço deste palco
Um castelo de chuvas.

Escorro ao mundo dos mundos,
Toco a terra molhada,
Afago as raízes
Deste sol
Que me é espelho
E brota de dentro
No contorno do sorriso.

Fico deitado
Na grama ao teu lado,
A não contar as órbitas
Das preces e dos sonhos,
Da pressa dos presságios
Do possível das estrelas
Dos teus olhos...

Ao teu corpo, o meu deserto:
Sê tempestade e me encharca,
Corre e me enfeitiça
Por estas dunas...
Sê vendaval
E me consome
Ao virar da ampulheta.

Pega estes versos
Em areia e pergaminho
E sopra-os ao vento.

Faz vingar o nosso oásis
Em que a sede do toque
E o compasso do abraço
Se perpetuam ao balançar
Das palmeiras.

Faz do meu corpo
Paraíso,
Enquanto ele
se fragmenta
Com o teu.

Faz desse meu tempo
Um só universo
Assim, assim,
Juntinho do seu.

domingo, 29 de julho de 2012

De sóis e mares


Cortejo o teu corpo,
Cortejo os teus lábios,
Cortejo a tua pele,
O teu afago, o teu gosto,
O teu riso, o teu cheiro.

Horizonte.
Salga a minha boca
Com teu gosto de mar,
Toca aos meus olhos
Esse teu rosto de sol.

Cristaliza
Esse desejo
Que nos consome
Até os ossos,
Que nos prende
E liberta
Em espasmo.

Mata essa sede
De mergulhar na tua órbita,
De calar esses anseios
De tus ojos en blanco.

Faz desses meu versos
Céu e melodia,
Leva-os num barquinho
Até o limiar
Dos silêncios...

Murmuras então,
Por entre esse Jazz
Das estrelas de Calíope,
E vem cá me fazer
Um cafuné,
Minha morena.

domingo, 17 de junho de 2012

De Gnomos e Fadas


Tenho três órbitas,
Um anel, uma história.
Tenho uma ideia,
Uma expectiva,
Um anão de jardim.

De repente palavras,
de repente silêncio;
Que preenche,
Que escolhe,
Que tece tua leitura
em partituras
Que só tu podes
Ouvir e tocar.

Tenho esse poema,
Feito, refeito, contrafeito,
Apressado, rarefeito...

Tenho essas saudades universais
Dos lugares das pessoas
Dos tempos das ideias
Que Morfeus me traz,
Dos versos inscritos na pele,
Dos lábios a versar ao pé-do-ouvido.

Tenho essa serenidade pulsante
Que observa de olhos fechados,
Que cala e transborda
E caleja meu corpo
Em versos e palpitações.

Tenho um conto,
De Gnomos e Fadas,
Que ainda não escrevi.






sexta-feira, 27 de abril de 2012

Em 22 primaveras


Das flores, eu encontrei
Os versos podados.
Antes os olhos meus
Que rasguei
Primeiro,
Que todos os sábios
E santos 
E loucos...

"Antes os sonhos teus
Que os renego um a um
Se tu nāo me surpreendes."

Eu escondi a minha poesia
Na tua boca, a semente
Dos meus versos brancos
Que abandonei 
Na idade dos sonhos.

"A semente que se devora,
Que se regurgita,
Que se masca,
A semente que desossa
Nas prisões da eternidade."

Pois não é você a face de Deus
Que encontrei nessa vida?
Você que é o meu oráculo,
Você que mesmo sem saber
Sempre me mostra o caminho.

"Você que escreve aqui, comigo,
Hibernando aquelas lágrimas
De dentro,
Marcando as páginas
E os textos
De  memórias
Das mais imaginadas..."

Você por quem eu rezo baixinho,
E que afasto de meus espelhos e rituais.
Você a quem ofereço minhas preces
Em todo despertar com olhos de velcro.

"Você que, como eu,
Vive e escreve
Em Cuentos de Hadas..."


sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Tiny Dancer

Desverbaliza,
Teus olhos
Em poesia,
Tua boca
Num sussurro
Aos meus ouvidos.

De fragmentos,
O salto das estrelas
A dança entre as escadas
A lógica do caos
O instante e o universo
A órbita de Tânatos
As peles de Eros,
De magnetos.

O espelho
Dos teus olhos
Em cores,
O charme
da tua voz
no canto...
Dos meus lábios.

Derretes e me completa,
Revive a minha alma de poeta
Por entre os abraços da noite
E a insensatez das manhãs.



domingo, 8 de janeiro de 2012

Das transformações vulpinas

Dizem que as raposas
se entendem, antes de
qualquer verso, palavra,
verbo ou ruído....

As raposas
Que são crianças
Selvagens...
As raposas
Que brincam
No escuro...
As raposas
Que se escondem
Sagazes,
Atrás de um sorriso
Faceiro...

E duas raposas
Tocaram os focinhos
De leve uma na outra,
O toque desajeitado,
Incerto, inseguro.

Pois dizem que as raposas se entendem,
Antes de qualquer verbo ou ruído;
Especialmente as literárias...

E o silêncio do corpo
E da alma
Sempre lhes é
Um intento de dizer
Que seu príncipe
De instante,
Momentos, segundos
E eternidades...
Já existe.

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Senun Cossenun

Como que vertes
A vida em palavras,
A água, as bebidas,
Os cigarros, as pessoas...
O palco é teu,
Sempre o foi.

Então interpretas, diriges,
Me rouba uma noite
E me assistes ao teu lado,
Indeciso.

A tua língua é memória,
Metálica memória;
Os teus lábios são quentes,
Teus movimentos sutis
E experientes.

Catarse,
Tu não sabes.
Tu és espelho
De tudo que não,
Não me aproximaria;
Daquilo que mantenho,
Por bom senso e dignidade,
Tácita a minha distância.

Tangencias então,
A minha e a tua morte
Em teus cabelos de fogo,
Tuas tatuagens-reflexo
De alma e drama e lama.
Completas mais um vértice
Deste meu triângulo.

Liberta-me e queimas
Aqui, comigo...
Me guarda em tuas cinzas
De que se fazem renascer.
E se por acaso me esqueces
Com a mesma facilidade
Com que me devoras,
Saibas por certo
Que meu destino
Nunca foi outro
Que não desaparecer
Ao primeiro raio da manhã.

A maçã de alguém

Quando vagueias pela noite,
Os passos te levam a destinos
Dos mais inusitados.
Quando circulas entre outros
São estes os que te miram,
Que te marcam, que te contam
Em histórias de sussurros...

Pois escutas agora,
Sê táctil pra mim
Assim um instante,
Te entrega e depois
Entrega-te e confessa.

Excitas e falas
Do que não lhe basta,
Do que sentes falta
Do que não tens
E te perturba o sono,
As pernas, as coxas,
O corpo todo.

Mas a confissão veio antes,
As palavras, as hesitações,
E eu que as calei
Em segundos diminutos;
E logo depois voltei aos círculos.

Tanto faz, eu sei,
Assim, pra partes de mim.
Mas se és só um dia, fuga e memória,
Isso não significa não serdes poesia.