quinta-feira, 18 de março de 2010

Miséria e Diabo

Faltava-lhe a palavra, angústia, o nó na ponta da garganta, o corte, a infame da palavra! Infante o passo, retalho, a vida/ penhasco que se abre primeiro que os olhos. Dilacera o que nem há de nós, e deixa a marca no sorriso dos ossos. Pulso, pulso, um talho, pulso, talho; estava feito.

- Diabo, que esse calor duzinferno num me deixa!!!

Agora pense num rio, leitor, Virgulino e sertão. O sol racha e ilude a narigudez de nosso espírito enviesado e todo dia nos mete um trabuco UVB na cara de 10 às 4 da tarde. Não que Virgulino fosse narigudo, mas por certo olfativo, era ele um desses incidentes que metem raiz em fevereiro e perduram à luz de vela até novembro, quando não se esvaem pouco além das chuvas de março.

Branco por fora, filho de pais preto separado, navalhado em Bahia, São Salvadô. Virgulino tem perfil no orkut, um lampião apagado, meia dúzia de depoimento. Mora na bêra do mar, nem longe nem perto do cais. Eremita que só em sóis e ele é assim que navega; fluxo, refluxo, de tempo em tempo gástrico, o mar a borbulhar em volta do pescoço.

Fala que só a porra, pra si mesmo. Seu sangue ferve quando não consegue entrar na lan house, sala escura, abafada com cheiro de peixe molhado. Vendedor grita do mercado dô’to lado, o burburinho impera e Virgulino se encontra na Europa de Luis XIV, entre bárbaros e espadas; blocos aleatórios de cruz, aço e castelo ele tecla, último minuto no MSN: “O rei há de voltar”.

Paira a dúvida, agreste, como quem açoita o couro no sol a pino. Virgulino se criou em terreiro digital, beira de trânsito histórico-literário, o nome não mais aleatório. Tomou gosto por faca, facão, corte, recorte; virou artesão, desses que traduzem o mundo em madeira. Ganhava uns trocado e de quando em quando lá ia ele pra zona da mata virtual. Tanto foi, foi, que teve dia que não voltou. Parte de si ficou por lá, ébria em possibilidade, bonita, bonita... e real.

Foi este por razão o ponto-chave de sua vida, ou talvez o ponto-e-vírgula. A miséria da Lan house fechou as porta, Virgulino se retou, rugiu, estremeceu, farejou o ar de peixe em busca d’alguma inspiração obscena, e depois de muito matutar, começou a escrever uma carta, enrolou de junto um embrulho e enviou pelos correio. Pois afinal, quem esperaria pra ser um dia Virgulino sem Maria?